Quando parou de lutar contra o interesse do amigo e aceitou fazer o passeio de ônibus, notou que dali poderia tirar algum proveito também. Pensava que nada substituiria a caminhada até o local, o reconhecimento das ruas, a observação dos rostos das pessoas que circulavam pela cidade. Mas estava enganado. Deitando a cabeça no banco do ônibus, os olhos voltados para o teto de vidro, surgiam-lhe figuras, como num caleidoscópio, montando cenários reais de paisagens nunca vistas ou, pelo menos, nunca fotografadas nas revistas de viagens.
Através do vidro, viu primeiro o acinzentado do céu nas nuvens que timidamente anunciavam uma noite quando ainda se iniciava a tarde. Viu também as torres mais altas dos prédios mais altos, que pareciam curvar-se sobre o ônibus, abrindo espaço para a passagem.
O amigo se acotovelou com os outros turistas para tentar fotografar o prédio mais famoso da cidade pela janela, mesmo sabendo que a imagem obtida teria estampado um reflexo irreal do vidro que os separavam. Voltaria ao prédio mais tarde, entraria no saguão, tiraria fotos na portaria, consolava-se. Mas ele se despreocupara: o prédio lhe aparecera espontaneamente, altivo, rapidamente, através do vidro do teto. Ele recebera com calma a imagem, prestara atenção na torre iluminada e nas cores que se alternavam. Parecia noite, a iluminação festiva já se destacava na cidade, poderia contar detalhes involuntariamente percebidos ao amigo ou a alguém que se interessasse em saber que olhares improváveis podem se tornar especiais.
O guia à frente dos bancos do ônibus dizia muitas coisas sobre as ruas, tantas que a mente confundida uma hora se desligou também. Muitas não eram assim tão importantes, mas, por algum motivo, não se podia passar em silêncio pelos becos e construções como se neles sempre fosse necessário enxergar uma história. Decidira não aborrecer-se mais, nem com o papo chato do guia, nem com as opções do amigo, e largou-se, concentrando-se na sua vitrine única, os olhos fixados para cima, o céu ficando mais escuro, as nuvens tecendo desenhos estranhos e formando-se imponentemente sobre a cidade.
O amigo primeiro pensou que ele estava chateado mas não reconhecia rancor em seu semblante. Depois, pensou que talvez estivesse enjoado e por isso não pudesse sentar-se normalmente, o que ele negou, afirmando que se divertia.
No ponto em que a maioria dos turistas saltou, o amigo desceu rapidamente à rua para fotografar o movimento das pessoas, a pista de patinação para as crianças e depois haveria muita gente nas fotos, passando em frente aos alvos escolhidos, porque estava tudo tão cheio, era difícil pausar os movimentos do lugar ou escolher o segundo exato de apertar o botão da máquina. Ele assistia a tudo da janela do ônibus, as cabeças eram pontos que se moviam e os cenários surgiam do meio da multidão e se impunham na direção do céu. Em sua posição, ficou frente à arquitetura da rua, olhando de igual posição o complexo desenho em torno das portas e janelas dos prédios do local. A pista de gelo vista de cima parecia uma caixa de música, o que muito o divertiu. O amigo se sentou esbaforido a seu lado, avisando-lhe que desceriam na próxima parada.
Desceram, então, próximos à ponte que atravessariam a pé buscando a visão ideal do bairro que deixaram para trás. Após pouco caminharem, esbarraram na tal visão, a maquete iluminada das ruas por onde passaram de ônibus. Era uma imagem linda, inesquecível.
Novamente, o amigo tentou captar parte do que lhes deslumbrara, sabendo que sua câmera era potencialmente limitada para fazê-lo. Só se veriam, após, os rascunhos de luz e sombras daquele perfeito desenho arquitetônico. Mas ele, que se vira obrigado a descobrir ângulos para viver sua própria viagem, ele brincava de reconhecer as paredes e as torres sob as quais tinha passado e de adivinhar entre quais montanhas concretas haveriam clarões, escondendo paisagens menores, como a pista onde vira crianças a brincar.
Nesse momento, nevou. A neve caía lentamente sobre eles, separando-lhes sutilmente da paisagem apreciada. Em poucos minutos, trouxe um pouco mais de claridade ao dia, de cujas nuvens ele já se esquecera. Ele sorriu, com a sensação de estar dentro de um enorme globo de neve, daqueles que se compra como lembrança nas viagens. Tinha profunda a certeza de que o menino que seguiu no ônibus que os deixara ali via-os pela janela como a bonecos dentro do globo. Assim como ele, levaria consigo um ângulo privilegiado daquela viagem.
Muito bom, como sempre, mas esse não é triste! Gostei muito.
Aileen
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Que bom que gostou!! Bjs.
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