Vivera presa a garantias.
Mas, nessa noite, a ternura era urgente. A vida se desmontara e suas expectativas apontavam para o exílio após a dura semana que enfrentou.
Portanto, permitiu a aproximação, mesmo desconhecendo os movimentos seguintes. Como não havia outro lugar em que quisesse estar, não havia angústia. Seu lugar era ali, àquela hora, até que a hora passasse.
O beijo foi só a percepção do beijo. O gosto da língua. A textura dos lábios. Sem significado profundo. Não inspirava promessas.
Passada a hora, ela sairia. Chegando o táxi, ele partiria. Enquanto esperavam, o tempo se estendia e o corpo era sensações: pele na pele, mão nas costas, língua úmida no pescoço, mão no cabelo, coxas encaixadas. Sem elocubrações. Só registros mentais do que vivia.
O toque carinhoso fora a pausa para respirar. Não se importava se hoje ainda ou décadas à frente seria o ponto final para aquele sentimento. Tudo acontecia naquele momento. Começava no roçar das línguas. Acabava quando os lábios descolavam. E recomeçava porque ainda havia tempo até o taxi chegar.
Não precisaria justificar-se. Ao sair dali, se não a contasse, a história nem existiria. As possíveis testemunhas não lhe prestavam atenção. Não conhecia a moça que servia as mesas nem o senhor que dedilhava o violão diante da garrafa de cerveja. Não frequentava o bar, não passava naquela rua, mal sabia sobre o homem com quem conversara por tempo suficiente para que lhe ofertasse esse carinho.
Cúmplice e alternando sorrisos, estava imersa na simplicidade dos seus sentidos. E, de olhos fechados, notava: cheiro, saliva, respiração, queixo arranhado pelo cavanhaque dele. Só. Sem perspectivas. Sem fim de noite, cinemas nem altares.
Respirava. Movia-se lentamente. Sentia. A consciência aguçada comprovava a sua presença no mundo.
O gesto de desprendimento a potencializou, alterou-lhe a estima e restabeleceu a segurança perdida. Dissociado de tudo, revelou-se, essencialmente, puro.
Voltou inteira para casa: pés tocando chão, vento balançando franja, calor fazendo corpo sofrer e suar, buzina ferindo ouvidos. Já não era espectro, alma delicada, olhos sombrios. Materializou-se. Carregando em si toda a substância humana, existia. Discreta e plena.
Meu Deus! Muito lindo! Amei.
CurtirCurtir
Obrigada, Deusa, inclusive por ajudar a divulgá-lo no face. Que bom q gostou! Beijos.
CurtirCurtir
Posta outros falando do amor que é sofredor. Obrigada. Beijos
CurtirCurtir
Há vários desses por aqui, Deusa. Dá uma olhada pelo blog q vc acha. rsrs. Mas seguirei postando, sim, logo q tenha mais prontos. Beijos.
CurtirCurtir